A cidade cochila com um olho aberto — postes piscam, sirenes sonâmbulas chamam pelos mesmos pecados de sempre. No alto de um planetário abandonado, uma vampira respira memórias que não envelhecem.
Eu sou o eco de uma guilhotina distante, o sussurro metálico que diz: ninguém é intocável.
Cada rua tem cheiro próprio: cerveja com mijo seco na Lapa, maresia enferrujada no Aterro, graxa doce na Barra. Aprendi a decifrar esses aromas como quem lê cartas marcadas. Entre eles, sinto a fragrância azeda dos predadores — homens que confundem poder com permissão.
Hoje à noite não caçarei por esporte nem por fome. Caçarei por estatística: a cada denúncia arquivada, uma vítima engole o grito; a cada “foi só brincadeira”, uma vida se parte. Eu coleto esses estilhaços. Transformo-os em prova líquida. Depois, deixo a lâmina conversar.
Talvez você ache brutal. Mas brutal é viver num mundo que aplaude o escândalo e boceja diante da verdade. Se a justiça veste vendas, eu visto sombras.
Portanto, leitores, aproximem-se — mas com cuidado. Entre estas páginas há perfume de sangue e páginas arrancadas da história. Se ainda assim decidir ficar, aceite o aviso:
prova primeiro.
lâmina depois.
A noite acabou de abrir os olhos. E eu também.
Morgana Valefor
Cheiro de jasmim esmagado sob botas apressadas. O gosto de metal—ferrugem, revolução, promessa—grudado na língua desde 1793, quando perdi a respiração humana para ganhar fôlego eterno. Sou Morgana Valefor, 18 anos na certidão imaginária, 250 nas cicatrizes — cada linha prova escrita em sangue.
Nasci no espetáculo da guilhotina e descobri cedo que a verdade é líquida: escorre pela jugular dos abusadores… e das abusadoras também. Machos tóxicos acham que exclusividade é direito divino? Risos. Minhas presas não discriminam gênero quando o assunto é podridão moral. Caço qualquer carrasco de consentimento — CEO predador, influencer narcisista, patroa tirana — e cada gole de “sangue-memória” revela os esqueletos que escondem nos closets de luxo. Se me chamam de monstro, ergo a sobrancelha: monstros não pedem licença; eu exijo consentimento até para morder.